É útil ver este artigo de Sérgio Figueiredo publicado no Jornal de Negócios:
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O perplexo Mibel
O Mibel é complexo, o Mibel é um mistério, o Mibel é uma construção política, o Mibel é um projecto sucessivas vezes adiado, o Mibel é a sigla que significa Mercado Ibérico de Electricidade.
O Mibel é tudo isto, mas ainda lhe faltam duas coisas: ser um mercado e ser ibérico. Ou seja, o essencial. Não tem, portanto, significado algum.
O Mibel é assunto de especialistas, mas a razão da sua existência sempre foi fácil de compreender: abolir a fronteira energética entre Portugal e Espanha era o primeiro passo para destruir o monopólio português e o oligopólio espanhol.
Criando, em alternativa, um sistema de mercado efectivo, em que fornecedores e compradores de electricidade se encontravam no local mais transparente possíveis – uma bolsa de transacções. Aliás, duas: a OMIP, em Portugal, para o mercado a prazo; a OMEL, em Espanha, para as transacções diárias.
Portanto, mesmo para o mais ignorante dos leigos, não havia dúvidas de que os preços da electricidade iriam baixar para as famílias e industriais portugueses, porque a uniformização tenderia a normalizar os níveis das tarifas, incomparavelmente mais altas, em qualquer tipo de consumidor no nosso caso.
Várias declarações ministeriais podem, aliás, ser recuperadas, das várias cimeiras luso-espanholas que assinalaram o arranque do Mibel, os vários arranques que o Mibel teve, que colocavam esse desiderato de forma peremptória e inequívoca.
Pois bem, esta semana o pólo português do Mibel finalmente arrancou. Por cá, sem pompa e circunstância. Arrancou, com uma média de duas transacções diárias, mas não é nesse pífio arranque que reside o maior dos dilemas. O Mibel nasceu fraco, mas honrado. O problema é que alguém se esqueceu de avisar os espanhóis que o mercado ibérico.
Na sexta-feira, e na sequência de uma enxurrada legislativa autónoma, ditada exclusivamente por preocupações e objectivos de natureza interna, o Governo espanhol decidiu comemorar o nascimento da bolsa portuguesa de electricidade à sua maneira. E anunciou a fixação de limites aos preços dos contratos que lá são negociados. O «lá» é, bem entendido, «cá».
Na verdade, num mercado que se chama ibérico, não deveria haver «lá» nem «cá». E é um facto que, em Madrid, já ninguém faz essa distinção, porque tudo é definido lá. A Espanha tem os seus problemas e está a resolvê-los da forma que entende.
E, pela reacção do regulador nacional, está a fazê-lo ignorando olimpicamente os pacóvios que, do lado de cá, continuam a acreditar que o Mibel existe. Jorge Vasconcelos, o presidente da ERSE, revelava ao jornal «Público» a sua «maior perplexidade» pela atitude unilateral do Governo espanhol.
A declaração é obviamente diplomática. O eng. Vasconcelos será o último a ser surpreendido pelo comportamento, que não é possível adjectivar por uma questão de pudor, de «nuestros hermanos». O regulador português podia não estar prevenido para um tão flagrante descaramento. Mas a atitude não é nova.
A ERSE esteve entre os que anunciaram a morte do Mibel, em Fevereiro deste ano, quando Zapatero publicou em decreto real a mais descarada intervenção administrativa nos preços da electricidade que se transaccionava na bolsa espanhola.
Cada um tem os governos que merece e os espanhóis é que devem avaliar o seu. Da parte que nos toca, continuaremos a exigir do nosso aquilo que lhe compete fazer: uma explicação convincente. Ou muitas. Ou nenhuma, para o caso de não a ter. E, sendo esse o caso, provar que as soberanias ainda servem para alguma coisa: desejar aos espanhóis o maior dos sucessos na resolução da sua agenda, decretar o fim de uma fantasia e tratar do nosso mercado a sério. Enquanto 90% da produção nacional estiver no regime regulado, nem a brincar se deve falar de mercado.
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O MIBEL foi decidido pela dupla Durão Barroso / Aznar.
Desta vez, como em muitas outras, fomos levados...